Após 32 anos de seu lançamento em LP, de forma independente pela gravadora Vôo Livre, chega ao
mercado, em CD e digital, um dos mais significativos álbuns da chamada Vanguarda Paulista, “Outros
Sons”, disco de estreia da cantora e compositora paulista Eliete Negreiros.
O álbum, lançado em 1982, recebeu enaltecimento da critica. Eliete conquistou o prêmio APCA
(Associação Paulista de Críticos de Arte) na categoria Cantora Revelação do Ano, o disco foi comparado ao
“Tropicália ou Panis et Circensis” (1968) – álbum-manifesto do movimento tropicalista – e rendeu à cantora
o título de musa da Vanguarda Paulista, numa comparação com a musa da bossa nova, Nara Leão.
Com produção e direção musical de Arrigo Barnabé, “Outros Sons” traz repertório que mescla a tradição à
vanguarda, com composições do produtor e outros autores de sua geração e clássicos da canção brasileira
e norte-americana: a faixa que dá nome ao disco é de Arrigo Barnabé com letra de Carlos Rennó. Itamar
Assumpção entrou com “Fico Louco”. “Pipoca Moderna”, parceria de Sebastião Biano e Caetano Veloso,
versões para os clássicos “Begin the beguine” (Cole Porter, versão de Haroldo Barbosa) e “Sol da meia-noite
(Midnight Sun)” (J. Mercer, S. Burke, L. Hampton, versão de Aloysio de Oliveira) e uma composição própria,
“Espanto”, completam o disco, que conta ainda com vinhetas dissonantes, ruídos, referências literárias e
influências da música de vanguarda.
Kuarup
Criada em 1977, no Rio de Janeiro, por muitos anos a Kuarup foi considerada uma das principais gravadoras
independentes do Brasil e acumulou diversas premiações, incluindo dois Grammy Awards. Especializada
em música brasileira de alta qualidade - o seu acervo concentra a maior coleção de Villa-Lobos em catálogo
no país - a gravadora Kuarup encerrou suas atividades em janeiro de 2009, após mais de trinta anos de
atuação. Em 2011, voltou ao mercado sob nova direção, quando iniciou o processo de revitalização dos
cerca de 200 títulos do catálogo, num trabalho de recuperação da memória musical nacional, além de abrir
suas portas para novos artistas e lançar discos inéditos em CD de outros selos.
Eliete Negreiros
Além de cantora, Eliete tem mestrado e doutorado em Filosofia pela USP, sobre a obra de Paulinho
da Viola. O mestrado virou livro - “Ensaiando a canção: Paulinho da Viola e outros escritos”, (Ateliê
editorial/2011) e o doutorado, concluído em 2012 sob orientação da filósofa Olgária Matos, originou o
livro "Paulinho da Viola e o elogio do amor", que em breve será m lançado pela Ateliê Editorial .
Eliete Negreiros tem ainda artigos publicados no blog da Revista Piauí, onde escreveu semanalmente, de
agosto de 2012 a março de 2013, na seção “Questões Musicais”, e na revista Caros Amigos, em uma página
mensal, de novembro de 2012 até julho de 2014. Escreveu também o livreto do CD Billie Holiday da coleção
Folha Grandes Vozes.
Discografia:
Discografia:
CD 16 canções de tamanha ingenuidade – Gravadora Eldorado – 1996
CD Canção Brasileira – a nossa bela alma – Gravadora Cameratti – 1992
LP Eliete Negreiros – Gravadora Continental – 1989
LP Ângulos- Tudo está dito - Gravadora Copacabana – 1986
LP Outros Sons – Gravadora Vôo Livre – 1982
Prêmios e indicações:
Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) – Melhor Cantora de Música Popular Brasileira –
1993
Indicação para o Prêmio Sharp de Música – Melhor Cantora de Música Popular Brasileira – 1993
Prêmio Concorrência Fiat – 1991
Indicação para o Troféu Villa-Lobos – ABPD (Associação Brasileira de Produtores de Disco) – Melhor Cantora
Popular Brasileira – 1987
Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) – Cantora Revelação – 1983
Eliete Negreiros por Arrigo Barnabé, José Miguel Wisnik e Milton Hatoum
Em nosso período de formação, nos anos 1970, bastante influenciados pelo pensamento de Augusto de Campos (que
propunha um diálogo mais franco entre música erudita contemporânea e a música popular), ouvir de Orlando Silva
a Gilberto Mendes, de Lupiscinio Rodrigues a Stockhausen, passando por Janis Joplin e João Hendrix Gilberto Jobim
Veloso Buarque Bartok da Viola Nascimento Webern Lobos, era uma coisa comum.
Essa conversa, essa aproximação com a tradição, não havia sido contemplada por mim, no LP “Clara Crocodilo”. E eu
sempre pensava nisso. Quando propus à Eliete produzir e dirigir um disco para ela, tinha isso em mente. Ela sempre foi
uma grande interlocutora nessas questões, tinha clareza e compreensão suficientes para embarcar nessa onda.
A música "Outros sons" já era velha conhecida da Eliete, de quando ensaiávamos em uma garagem, na rua dos
Pinheiros, ainda com outra letra: "Raro Riso". Eu não estava satisfeito com essa letra, que havia escrito em 1974, e
pedi ao Carlos Rennó que colocasse outra letra. Augusto de Campos sempre falava que o “Pierrot Lunaire” poderia ser
canto-falado por alguém de música popular (lembro dele mostrando a versão da cantora Cleo Laine). Daí a citação de
cinzas negras borboletas....
A princípio o disco ia se chamar “Pipoca Moderna”. Havia tempos eu pensava em um arranjo para essa música, que
sempre foi motivo de muita conversa com a Eliete. As vinhetas com o som de pipoca sendo estourada e, depois,
mastigada pela Eliete, foram motivo de muita diversão para nós e o técnico de som Silvio, cuja cumplicidade no projeto
não poderia deixar de ser apontada.
Arrigo Barnabé, compositor, produtor e cantor
Ouvido trinta e um anos depois, este disco de Eliete Negreiros soa como uma porrada comovente, como a amostra
sutil e poderosa da atmosfera musical que respirávamos na zona oeste de São Paulo na altura de 1982. Ele é movido
pela ambição de continuar expandindo o campo aberto pela bossa nova e pela tropicália, com livre trânsito pelos
gêneros musicais, densa instrumentação, timbragem, texturas ruidísticas e a exploração sonora e polissêmica das
possibilidades textuais. As sílabas de “Pipoca Moderna” pipocam foneticamente, no arranjo de Arrigo, desconstruindo
e reconstruindo a canção, até estourar o saco vazio e cheio de ar, na implícita frase final da música – “Tudo Mudou” –
que se torna também a faixa final do disco.
O mais bonito é que esse explosivo pacote experimental, pleno de delicadezas e descobertas, é regido pela elegância,
pelo tom low profile, pela sensibilidade e pela inteligência vocal de Eliete, que fazem dela nada menos do que a Nara
Leão da vanguarda paulista. A canção brasileira e a norte-americana, a música caipira recriada por Passoca e um
Itamar emergindo, as ressonâncias passadas e contemporâneas, tudo se cruzava ali. Relançado agora em CD, o disco
ressurge com frescor, e com a beleza incorruptível das coisas íntegras.
Longa vida a Outros sons!
Paris, 3 de novembro de 1982
Imagino o que deve ter significado pra ti, cantora, escutar o teu próprio disco. Certas pessoas não estimam a dimensão
do trabalho, do longo trajeto que a gente percorre até formalizar, concretizar uma ideia. E no teu disco a concretização
vai mais longe, sai do âmbito sonoro e se desdobra em outras ideias e numa nova concepção formal: a retomada
estética dos nossos Modernistas, que o Arrigo assimilou de um modo brilhante, singular, talvez único. Creio que
os movimentos estéticos passam por um percurso pendular, o de inovar reinventando o passado, de experimentar
com uma mão e classicizar com a outra. Toda essa mistura de sons e ritmos, de brasilidades e estrangeirismos, de
vozes que imitam metais e instrumentos que vocalizam, tudo isso se sedimenta na ideia de que nossa expressão é
carnavalesca, plural, popular e erudita ao mesmo tempo. Contemplar a vida e refletir sobre a humanidade à beira
de uma praia ensolarada, ou dentro da selva sem fim. Ou escrever dançando, pensar entre gargalhadas, parodiar a
vida, que é imitá-la com olhar esquivo, irônico, às vezes de ressaca, como o de Capitu. Todos esses escritores latino-
americanos entendiam isso, mas antes de todos eles, Oswald e Mário, e antes dos dois Machado: pai de todos.”
José Miguel Wisnik, compositor, cantor e professor de Literatura
Milton Hatoum, escritor e tradutor
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